A história da bomba

Entrevistamos Marlene Ferreira num sábado de manhã, na Potycabana. Marcamos a entrevista para dez horas, mas chegamos lá um pouco antes. Fazia sol e ventava bastante, o que deixou a conversa agradável, enquanto todos ouvíamos atentamente as histórias da simpática senhora. 

Dona Marlene conta a história da bomba (Foto: João Victor/ Dicumê)
Dona Marlene tem 83 anos, e inventou, quase por acaso, uma das comidas mais populares do Piauí: a bomba. Fez, provou, gostou e decidiu vender aquela novidade, ao invés de ter deixado de lado aquela ‘bomba’. “Estava fazendo esfirras com meu irmão, e sobrou um pouco de massa. Recheei com queijo e presunto e pedi: Reinaldo, frita aí essa bomba. Ficou bonita, aquela bola, depois dividimos pra nós dois e outros dois funcionários e comemos”, conta Marlene. De pronto ela já conta a história, como se já estivesse falado a outros ouvidos várias outras vezes. Mas queríamos ir além da bomba em si, e saber outras histórias de vida e de comida. 

Chamar algo de ‘bomba’ é como se quisesse se desfazer de alguma coisa, sem importância sufi- ciente para se pensar num nome. O nome combinou com o fato da bomba ser um salgado frito em óleo, como se fosse também uma ‘bomba de calorias’. Isso não vem ao caso, pois o que importa é a história. 

“No outro dia, decidimos fritar oito bombas e vender na nossa lanchonete, que era perto do Diocesano. Os estudantes iam lá, era aquela algazarra. Aí naquele dia perguntaram ‘dona Marlene, o que é essa bola aí?’, e eu dizia ‘Não é bola não, é bomba!’”, sorri. 

Depois disso ela continuou fazendo os salgados, incluindo a bomba na produção diária. Marlene diz também que as pessoas passaram a fazer bomba, mas não como ela faz. 

“A nossa é fofa, não é grande demais, que dê pra comer uma e repetir! (risos). Nunca passei essa receita pra ninguém, as pessoas viram e passaram a fazer. É a mesma massa da esfirra, pastelão, vários outros”. 

Ela nos conta que nasceu em Parnaíba, é filha de sírios refugiados da Segunda Guerra e que aprendeu a fazer massas sozinha, trabalhando com salgados e bolos há 50 anos. A mãe faleceu quando Marlene tinha quatro anos, e ela seguiu a vida com os irmãos e o pai, que foi dono de um cinema no Theatro 4 de setembro e uma sorveteria. 

“Do lado do cinema meu pai construiu uma lanchonete chamada Bomboniere, e aí compramos uma geladeira, pra vender sorvete. Aqui em Teresina ninguém conhecia sundae, nem banana split, vendíamos lá. O pessoal que fi- cava na praça e os que saíam do Theatro ia na Bomboniere tomar sorvete. Todos nos conhecíamos, era maravilhoso”, conta. 

 Marlene tem várias histórias interessantes sobre comida. Ela fala da época da lanchonete perto do Diocesano, em que a irmã colocava pimenta nas bisnagas de ketchup para os alunos não comerem tudo. 

“Aí os alunos ficavam doidos com o gosto de pimenta!”, sorri. Nos conta também que há quarenta anos já vendia empada, pizza e kibe. Os fregueses iam na lanchonete e pediam: “É aqui que tem espada? É aqui que tem piza, aquele negócio redondo? E kiba? Eu ia pra SP e trazia isso tudo de lá. Como eu sabia que nem todo mundo conhecia esses salgados, eu fazia as miniaturas pra experi- mentarem”. 

Aureni Lima, funcionária do Sebrae, estudou no Diocesano na década de 1980, e nos fala da rotina do Diocesano e de quando ia comer na lanchonete de D. Marlene. “Juntava a turma toda e ia pra lanchonete. O salgado dela era muito bom, era feito na hora, por causa disso, terminava num instante. Ia estudante de várias escolas, todo mundo adorava. Nunca comi a bomba daquela época, mas eu via na lanchonete. Eu gostava mais da coxinha, e ela ficou muito conhecida por causa dos salgados”, diz Aureni. 

Nessa época não havia cantina nas escolas, e as aulas iam até meio dia. Na hora do intervalo, os alunos saíam para lanchar, e quem passou pelo Diocenao não esquece da proximidade com a lanchonete de Marlene. O sabor da comida traz essas memórias.  

Perguntada sobra o que gosta de comer, Marlene diz que gosta de salada, berinjela cheia e maxixe, mas que não pode faltar arroz. “Se não tiver arroz eu não como”. 

Ela ainda faz encomenda de sal- gados, apesar de uma queda que levou ano passado. “Passei um ano na cadeira de rodas, mas graças a Deus não tive problemas depois. Faço as encomendas sentada, e já estou voltando a andar”. 

E a entrevista termina, agradec- mos a dona Marlente pelas históri- as. Ela nos agradece de volta e diz: “Ai ai, ja tou ficando com vontade de fazer meus salgados”.

Por: Fabrício Campos

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Vai comer ou vai tirar foto?”

Um sushi nordestino